O empreendimento editorial aqui analisado, sob a organização de Jerzy Mazurek, faz parte da categoria dos monumentais. Não somente em razão do seu volume medido pela quantidade de páginas e dos materiais ilustrativos, mas também em razão do âmbito da problemática abordada. O enfrentamento de tão ampla área problemática parece ser uma tarefa de antemão condenada ao insucesso. Por isso, com atenção e profundo interesse me envolvi na leitura desse volume coletivo. Não somente porque eu mesmo me interesso pelo Brasil. Em meus estudos e em minhas pesquisas tenho abordado a problemática polônica nesse país, bem como as questões da integração social e dos modelos latino-americanos do surgimento de novas nações. Atraem o meu interesse e a minha atenção sobretudo a interdisciplinaridade e a vasta área de apresentação da presença do Brasil no pensamento científico polonês, na consciência social, na economia e na política. Sem dúvida estamos diante de uma obra incomum quanto ao aspecto organizacional, editorial e científico. O volume reúne valores científicos, bem como jornalísticos, analítico-descritivos e de divulgação científica. É direcionado a um círculo diversificado de destinatários em razão da diversidade das formas de abordagem, da quantidade de entrechos e de temas, bem como da escolha dos autores. Conheço o ambiente relativamente estreito dos pesquisadores da problemática brasileira e encontro na relação dos autores a maioria que dele fazem parte. A composição dos autores do volume por si mesmo credencia e eleva o valor da obra. Estamos diante de um conjunto de peritos e conhecedores do Brasil, que se concentram em diversas questões e problemas culturais, sociais, políticos e econômicos. Entre eles há historiadores, linguistas, politólogos, sociólogos, economistas, estudiosos culturais, antropólogos, pedagogos, latino-americanistas amplamente compreendidos, diplomatas e líderes polônicos, em parte oriundos do Brasil. Não se pode deixar de perceber que o volume constitui, uma tentativa de síntese – pretendida ou não – de conhecimentos sobre o Brasil na perspectiva pelo menos das últimas três décadas. Na sua maioria, os textos presentes no volume são apresentados em língua polonesa. Alguns são escritos em português. No volume encontram-se igualmente ilustrações e gráficos que enriquecem o material analisado. Julgo que a realização do projeto, cujo resultado é a monografia, não teria sido possível sem a cooperação das instituições que figuram na ficha editorial: Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Universidade de Varsóvia, Museu da História do Movimento Popular Polonês, Editora Museu da Independência.

Ao empreender a tarefa de uma análise da monografia coletiva apresentada, devo admitir que não tenho condições de realizar a sua resenha crítica. Por várias razões. Inclusive por falta de competência pelo menos em algumas das áreas abordadas. Mas a principal razão que me leva a isso é o meu conhecimento dos estudos e das pesquisas a respeito da sociedade brasileira e das relações mútuas da Polônia com o Brasil, ou – antes – da sua escassez. São os poloneses os mais interessados pelo Brasil, incluindo-se entre eles membros da diáspora polonesa, empresários, um punhado de pesquisadores, artistas e organizações turísticas – do que o contrário. A Polônia, da perspectiva do Brasil e do brasileiro comum, é um país distante, quase desconhecido, localizado em alguma parte da Europa, mais perto das imediações da Rússia. O conhecimento da Polônia entre os brasileiros inicia-se e termina na sua associação com João Paulo II e Lech Wałęsa, embora atualmente talvez seja mais com Robert Lewandowski. Por isso, ao falarmos das relações polono-brasileiras, concentramo-nos geralmente num dos vetores desse relacionamento, direcionado da Polônia ao Brasil. Muito menos podemos dizer da direção contrária e, em princípio, não somente pela falta, no Brasil, de ambientes acadêmicos que se dediquem à problemática polonesa. Ao número das pessoas que edificam a molduragem particular e organizacional da cooperação polono-brasileira pertencem poucos estudiosos de origem polonesa, tais como o coautor do volume Henryk Siewierski, ou religiosos, cujo representante na monografia é o Pe. Dr. Zdzislaw Malczewski, líderes polônicos individuais, diplomatas. Ao iniciar a leitura do amplo volume, dei-me conta do fato de que não me encontrava diante de uma escolha seletiva da problemática, mas de um relatório pleno, quase que exaustivo do estado do conhecimento dos ambientes polono-brasileiros a respeito das relações mútuas entre os dois países. Após uma primeira leitura, eu me perguntei: o que ainda se pode acrescentar ao atual estado de conhecimento a respeito dessas relações? Será que falta algo nessa apresentação? Será possível acomodar e encerrar num só volume todo o estado do conhecimento polonês a respeito do tema que figura no título? Será que o conjunto dos autores e dos problemas abordados está completo ou se aproxima desse estado?

Em princípio, não se pode imaginar uma única monografia a respeito de qualquer país europeu e de numerosos de fora da Europa a respeito do qual as informações possam ser encerradas num só livro. O Brasil faz parte dos países de excepcional diversidade e complexidade natural, social, cultural. No entanto o livro não é sobre o Brasil, mas sobre as relações que o unem com a Polônia. E nessa área já se poderia arriscar a suposição, não sei quão distante da verdade, de que pouca coisa já poderia ser acrescentada no volume apresentado. Ou isso dá um bom testemunho da seleção dos autores e da problemática, ou um mau testemunho a respeito do potencial científico polonês relacionado com os estudos e as pesquisas sobre a presença da Polônia no Brasil. Certamente uma coisa e outra.

Já um exame da própria disposição dos conteúdos e da relação dos autores permite perceber em que se baseou o propósito da monografia coletiva. Foram convidadas para o empreendimento coletivo pessoas que se dedicam científica ou profissionalmente à problemática brasileira. Cada um dos autores possui o seu próprio âmbito de conhecimento e competências que brotam de diversas formas de atividade, não somente científicas. Todos que aceitaram o convite para participar do volume, com o máximo de empenho, introduziram nele o que tinham de melhor: o seu próprio conhecimento e a experiência teórica e investigativa. Entre os autores dos textos encontram-se – como representantes das disciplinas a mim mais próximas das ciências sociais e humanísticas – especialistas poloneses da envergadura do Prof. Marcin Kula, do Prof. Marcin Florian Gawrycki, do Dr. Krzysztof Smolana da Dra. Renata Siuda-Ambroziak. Sem medo de errar eles podem ser chamados os pioneiros dos estudos sobre as relações polono-brasileiras. A presença deles no volume me dá a certeza de que em volta dessa metafórica “mesa” dos autores convidados encontraram-se talvez não todos, mas os mais importantes pesquisadores da problemática encerrada no volume. A consolidação numa única monografia dos textos dos “brasilianistas” poloneses (se assim me for permitido defini-los), incluindo nesse grupo também alguns brasileiros, quase – digo quase – esgota o âmbito da possível problemática. O volume constitui um peculiar fenômeno, que apresenta a atividade e a bagagem científica e organizacional desse estreito ambiente. E nisso consiste o seu indubitável valor.

O Brasil se situa com certeza entre os primeiros cinco países do mundo com o maior número de membros da diáspora polonesa. A grandeza numérica da população dos brasileiros de origem polonesa é difícil de definir, mas, segundo cálculos fidedignos, ultrapassa 1,5 milhão de pessoas. Trata-se de pessoas de origens étnicas complexas, com frequência duplas, submetidas à parcial amalgamação com a população local, que na sua grande maioria já percebem um vínculo apenas simbólico com o país de origem e uma residual identidade polonesa. No entanto, elas constituem uma parte significativa da sociedade brasileira. Sabemos muito, e ao mesmo pouco a respeito do destino dos diversos grupos imigratórios nesse país. Contribuíram significativamente para esse conhecimento os religiosos poloneses e os líderes de comunidades polonesas e das organizações por eles instituídas. Tem sido relativamente difícil pesquisar os processos de integração e assimilação dos colonos poloneses no Brasil. O potencial cultural, social, econômico da diáspora polonesa no Brasil é muito maior do que tem sido conhecido na Polônia, onde há ainda muito a ser pesquisado e descoberto no substrato populacional polônico disperso por esse extenso país. No volume comentado continuamente se manifesta o entrecho da presença polonesa no Brasil, que é incomparavelmente mais importante e maior que a presença brasileira na Polônia. Difícil se torna por essa razão apresentar restrições quanto ao conteúdo e o arranjo da monografia. Uma coisa e outra resultam da assimetria do significado da Polônia e do Brasil nas relações mútuas.

A composição do volume é o resultado de uma sistematização arbitrária dos textos, realizada pelo editor. Os textos foram ordenados segundo o critério do objeto do problema, com o qual não se pode polemizar. Os textos de vários autores localizados em quatro capítulos relacionam-se com as respectivas áreas problemáticas. O primeiro encerra textos que se relacionam com a brasilidade como tipo de vínculo, ao tipo da identidade e com o mito da grandeza brasileira, que se situa na gênese da ideologia e da política da unidade territorial e social. Os dois capítulos seguintes são destinados às relações entre a Polônia e o Brasil em diversas dimensões e diversos contextos: políticos, econômicos, culturais, literários e científicos. O tema principal que liga os capítulos segundo e terceiro é o lugar e o papel dos brasileiros de origem polonesa na preservação e no desenvolvimento dos contatos polono-brasileiros.

A tese encerrada no título, articulada no prefácio do editor do volume, constitui o seu tema principal. Proclama ela que, apesar da grande distância espacial e cultural, o Brasil e a Polônia estão unidos por muitas semelhanças, resultantes tanto do transcurso dos processos históricos do desenvolvimento, como da gênese agrária, camponesa de ambas as sociedades. Pode-se concordar ou não com essa tese, porque em princípio, com exceção do atraso tecnológico, civilizacional no desenvolvimento, ambos os países e sociedades – apesar das semelhanças de classe – distinguem-se significativamente nas dimensões da estrutura racial, étnica ou religiosa. Inteiramente diversas têm sido também as condições políticas e econômicas do desenvolvimento e das transformações de ambos os países. É verdade que o caráter pós-feudal, em certo sentido também pós-colonial – considerando-se o lastro cultural e político da Polônia decorrente das partilhas – de ambas as sociedades sugere certas analogias. As semelhanças no transcurso dos processos de democratização após a Segunda Guerra Mundial, o papel dos dirigentes sindicais nessas mudanças sociais e políticas, a passagem de uma economia agrária à industrial, são apenas as mais importantes delas. Mas o mais importante elo de ligação na história do Brasil e da Polônia é a participação dos imigrantes camponeses na colonização e no desenvolvimento da atual sociedade multicultural brasileira. Porquanto essa participação é significativa. Com exceção da diáspora italiana, alemã (sem contar os colonizadores ibéricos e portugueses), pela sua grandeza a diáspora polonesa se aproxima da japonesa. Os brasileiros de origem polonesa constituem uma importante categoria sociocultural, visível sobretudo nas regiões meridionais do Brasil. Um fato irrefutável é a genealogia camponesa e o caráter migratório das terras polonesas ao Brasil. Com exceção do Paraná, os imigrantes poloneses não participaram dos processos da urbanização. Eles se tornavam colonos que ocupavam os espaços vazios, seguindo os passos dos precedentes colonizadores italianos e alemães da parte meridional do Brasil. Impossível se torna não concordar com a afirmação do Prof. Jerzy Mazurek, que traduziu da seguinte maneira o caráter da participação polonesa no processo da formação da nacionalidade brasileira:

Por décadas tem sido generalizada a opinião de que, em razão da ascendência camponesa e do caráter social da imigração polonesa no Brasil, oriunda das “planícies” sociais, a diáspora nesse país dispunha de um pequeno potencial criativo e intelectual. Essa bagagem, no entanto, na realidade dispersa por significativas extensões do território brasileiro, e também amplamente dispersa no tempo, é bastante significativa, tanto no sentido do seu valor como das suas dimensões. Evidentemente, na análise do processo de assimilação dos camponeses poloneses na sociedade brasileira, não se pode esquecer de que ele não se realizou sem problemas. Os contatos com a população local eram dificultados e – o que é primordial – os centros da cultura brasileira estavam situados muito longe. Esse isolacionismo das colônias polonesas fez com que os emigrados da Polônia não se tivessem envolvido em grau suficiente no processo da construção do “novo Brasil”, moderno, industrial e urbanizado, que se iniciou nos anos 30 do século XX. (p. 13)

Convém acrescentar que até a recuperação da independência da Polônia em 1918 os colonizadores poloneses do Brasil, principalmente os camponeses, estiveram privados do apoio institucional da parte do país de origem. Transportados de um espaço cultural e social a outro, muito diversificados entre si, no transcurso de pelos menos duas gerações permaneceram abandonados a si mesmos. A situação e a sorte dos imigrantes poloneses no Brasil sofreram uma gradual mudança após o estabelecimento das relações diplomáticas e o início da cooperação econômica, o que por sua vez coincidiu com a fase da nacionalização e do isolamento do Brasil no fórum internacional.

Independentemente dos seus valores científicos, a monografia é uma publicação jubilar. Foi definida no seu subtítulo como um volume estudos “comemorativa dos 100 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre a Polônia e o Brasil e dos 90 anos da Sociedade Polono-Brasileira”. Como toda publicação enumerada na categoria das comemorativas, dedicada a uma problemática, uma organização, uma instituição definida, ela possui o seu peculiar “poetismo”. Além dos textos analíticos, sintéticos, direcionados à descrição das diversas áreas nas relações polono-brasileiras, o volume encerra igualmente aqueles que se referem aos “objetos” de memória destacados no subtítulo. Os textos encerrados nas partes: prefácio, capítulo segundo e quarto dizem respeito justamente à análise do transcurso das relações diplomáticas entre a Polônia e o Brasil desde o momento do seu estabelecimento oficial, bem como da atividade da Sociedade Polono-Brasileira no decorrer de quase cem anos. Trata-se de textos de autoria de diplomatas, embaixadores de ambos os países, cônsules, líderes polônicos, pessoas envolvidas profissionalmente no desenvolvimento dos contatos mútuos. Com especial abundância é ilustrada a atividade da Sociedade Polono-Brasileira e o papel de Stanisław Pawliszewski, que por muitos anos foi seu presidente.

As informações adicionadas ao volume a respeito da atividade de associações, fundações, organizações, instituições – inclusive do Liceu de Educação Geral Rui Barbosa – em prol da divulgação do Brasil enriquecem a monografia com informações sobre vários empreendimentos sociais e particulares direcionados na Polônia e no Brasil à preservação dos contatos mútuos e ao desenvolvimento de diversas formas de cooperação cultural, científica, econômica.

Para mim pessoalmente, trata-se de uma publicação importante e valiosa, contendo textos de autores que me são conhecidos de outras publicações que se dedicam a pesquisas e estudos sobre a sociedade brasileira e a presença polonesa no Brasil. Alegro-me porque posso ter à disposição e a qualquer momento recorrer a um livro no qual se encontra todo um compêndio de informações a respeito das relações polono-brasileira. Interessante seria um volume que se concentrasse na direção contrária, nas relações brasileiro-polonesas. A dúvida é se seria possível encontrar um conjunto de conhecedores e peritos brasileiros que fossem capazes de criar uma síntese semelhante a respeito da presença do Brasil na Polônia. Estou convencido de que sim. Mas poucas pessoas, talvez com exceção do Prof. Henryk Siewierski, teriam condições de atingir todos os brasileiros interessados por tal empreendimento. Pode-se também supor de antemão que seria difícil sair além do círculo das pessoas assinaladas pela origem polonesa. Uma interessante e incomum iniciativa que comprova que isso é possível é o periódico Polonicus – sucessor de Projeções – publicado no Brasil graças aos empenhos, aos esforços e à determinação do Pe. Dr. Zdzislaw Malczewski. Por outro lado, o otimismo e a esperança da continuidade do desenvolvimento de informações sobre o Brasil são oferecidos pelo número crescente de jovens pesquisadores que se dedicam ao tema e que atuam nos ambientes acadêmicos na Polônia e no Brasil. O trabalho coletivo aqui comentado é em certo sentido uma síntese do estado do conhecimento e das pesquisas sobre as relações polono-brasileiras. Por isso é um bom ponto de partida para todos os interessados pelo Brasil, para a continuidade e o desenvolvimento da reflexão sobre a presença dos poloneses e dos seus descendentes nesse país.